Cultura
O traje masculino típico da Ilha é geralmente constituído por maleia (túnica larga e comprida até aos pés, com mangas compridas), tamwa-tamwa (calças de pano leve que tinham uma abertura na braguilha, com botões e um fio, narho, na cintura para amarrá-las) e um cofió.
O traje feminino típico da Ilha é constituído por um kimau, actualmente um pouco mais largo e cumprido, cobrindo o tronco ate à cintura.
A cor predominante das maleia e tamwa-tamwa é o branco. Refira-se que a tradição do uso da túnica está bastante enraizada na comunidade, onde os homens professam, maioritariamente, a religião muçulmana.
O traje de gala, que era no passado concebido para ocasiões especiais e ainda hoje é usado para comemorações especiais na mesquita (casamentos, Ide, etc.), compunha-se de maleia, djaketa, tamwa-tamwa e cofió.
No passado, os homens da ilha usavam tangas designadas localmente por kav’iha, sem camisa. O kav´iha era inicialmente feito de fibra de casca de árvore. Com a introdução do tecido as populações passaram a envergar o kav´iha de pano. Veio depois o elangothi, um tecido rectangular feito de algodão amarrado à cintura. Homens e mulheres vestiam o elangothi. Com a chegada do Islão, esta prática foi gradualmente abandonada, passando a fazer parte do traje o tamwa-tamwa acompanhado por uma túnica denominada maleia feita em tecido de casca de ovo (tecido leve antigamente feito de algodão puro, mas hoje também confeccionado com fibra sintética). A túnica é cumprida até aos pés, com um decote redondo (à moda chinesa). As mangas da maleia são também cumpridas. Os homens calçavam tamancos de madeira. Existiam dois modelos diferentes, uns que possuíam uma tira de couro presa a cada um dos lados do tamanco e outros, de fula, que tinham, no lugar da tira de couro, um pedaço de madeira ou de borracha que encaixava entre os dedos polegar e o indicador do pé. Refira-se que os nativos preferiam andar descalços e só calçá-los no momento da ida à mesquita. Esta situação estava associada ao facto dos tamancos serem pesados e o feitio dos tamancos de fula criar grandes dificuldades na locomoção.
Durante a época colonial, o traje masculino passou a ser diferenciado em função das classes indígena e dos assimilados. Os indígenas continuavam a usar trajes muçulmanos, mas incorporando calças, calções (kaputula) e camisas (hembe) à moda europeia, calçando tamancos. Os assimilados eram obrigados a adoptar os hábitos dos portugueses, incluindo a indumentária, constituída por calças, camisa, casaco, entre outros, tendo ainda de calçar sapatos. Quando os indígenas se fizessem à Cidade de São Domingos (nome atribuído à cidade de pedra), eram obrigados a calçar os tamancos e alguns deles, por falta de hábito, tiravam-nos e punham na cabeça. Quando fossem surpreendidos descalços, argumentavam que os tamancos se haviam arrebentado durante a caminhada. No passado, estar bem trajado significava estar de maleia, com uma djeketa (colete), um cofió Momadimussa (cofió comprido feito de veludo vermelho), tamancos, uma epakora (bengala) e, caso fosse um fumador, um ekatximbwe (cachimbo). Para completar este traje os homens usavam um nikilempa (cachecol) e um kipatxi (um lenço que se amarrava à cabeça por baixo do cofió ou por cima do nikilempa), um unkufo (colar fino de ouro, mais curto que o das mulheres) e um anel.
Vestir bem trazia prestígio e era um sinal de poder e autoridade no seio da sociedade macua da ilha. Os homens vestiam-se assim quando tivessem que sair para fora das suas residências, quando estivessem em reuniões públicas, casamentos, celebrações diversas e visitas especiais. Esta roupa (maleia e tamwa-tamwa) era geralmente confeccionada em tecido branco ou tecido claro às riscas. O djaketa (colete) porém podia ser em tons escuros ou misturados. A roupa era adquirida na Índia e trazida à Ilha de Moçambique através de comerciantes indianos. Apesar do traje de influência muçulmana estar profundamente enraizada na comunidade da ilha, trajar bem hoje em dia, não é só usar maleia, tamwa-tamwa e cofió. Peças de origem europeia como o casaco, a gravata, as calças de muitas pinças e vincos, a camisa, as meias e os sapatos de couro, são trajes que se tornaram comuns. Naturalmente, embora estas roupas traduzam a posição social de um indivíduo, não são adequadas ao clima demasiado quente da Ilha
Esta peça de vestuário perdeu, no entanto, um pouco da sua originalidade, sendo menos requintada e colorida do que como se apresentava no passado. Possui mangas três quartos, isto é, que vão ate à metade do antebraço, e um cumprimento que cobre até abaixo do umbigo. Possui costuras laterais e uma segunda abertura inferior, na direcção do umbigo, de formato triangular, que permite o seu uso.
O kimau é acompanhado por 3 a 5 capulanas amarradas à cintura. Neste conjunto de capulanas existe uma primeira designada ntugudji (a que fica por baixo de todas e que esta em contacto directo com a pele) sobre a qual se sobrepõem as outras 2 ou 3, restando a última para cobrir a cabeça, designada nsungi.
Num passado mais recente, foi introduzido o lenço de cabeça que é do mesmo padrão da capulana e do kimau, formando um conjunto harmonioso. O uso desta quantidade de capulanas, servia para ampliar o volume do traseiro das mulheres, acentuando a linha de curvatura da cintura e realçar as ancas, daí o apelidar-se o andar das mulheres da Ilha, como sendo uma pose de peru.
Refira-se que a tradição da capulana está bastante enraizada na comunidade, onde as mulheres são as detentoras. A riqueza das mulheres se define não só pela quantidade de joias que possui, mas, sobretudo pelo número de capulanas que elas adquirem e preservam, chegando a somar dezenas, senão centenas. No uso do traje feminino, não se observam grandes diferenças entre crianças e adultos tanto nas cores como nos modelos. Apenas as mais novas apreciam mais capulanas leves e evitam a exagerada sobreposição, apreciada pelas adultas.
Um aspecto a destacar é o facto de atribuição de nomes próprios às capulanas, pela comunidade. Estes nomes relacionam-se com eventos importantes, objectos, datas comemorativas, personalidades e outros fenómenos registrados na memória colectiva dos residentes da Ilha, sendo por isso uma importante fonte de informação e de preservação da história local, como atestam os seguintes exemplos: alokamasa obanku (argamassa do banco); okwiri wa Manema (feitiço de Manema); Acali aroho (destino do coração); Victória, Marupu watamu, Matata (nome do Presidente do Município). Alokamasa obanku – este nome foi atribuído em alusão à interdição por parte do governo colonial de circulação pelo passeio defronte ao banco (actual Banco Internacional de Moçambique – BIM) instituição localizada na Cidade de Pedra, área outrora principalmente habitada pelos portugueses.
Okwiri wa Manema – esta capulana reporta à história de uma velha e famosa feiticeira que fora surpreendida nas suas incursões nocturnas, por um poderoso contra-feitiço, que anulou todas as suas intenções, tendo ficado impossibilitada de se mover do local até ao raiar do sol, para espanto e alegria de toda a comunidade, que viu finalmente desmascarada aquela temível feiticeira.
Victória – nome atribuído a uma capulana após o registro de importantes mudanças na Ilha, com o aparecimento de motorizadas, numa altura em que os únicos meios de transporte eram os riquexós. As populações locais tomaram esse episódio como uma victória pelo facto da Ilha ter passado a possuir melhores meios de transporte.
Marupu watamu – trata-se de uma capulana que lembra a história de um casal, cuja mulher esfaqueou o marido, Adamu, por razões passionais, deixando-lhe com os intestinos de fora.
Matata - nome atribuído a uma capulana usada pelas mulheres da Ilha, após a vitória de Matata nas eleições Municipais para Presidente do Município da Ilha de Moçambique. Outros nomes são atribuídos fazendo alusão às figuras impressas nas capulanas, como é o caso de namodje (ovo), nakhaka (galinha do mato); nikuruthu borboleta).
Outros nomes são atribuídos fazendo alusão às figuras impressas nas capulanas, como é o caso de namodje (ovo), nakhaka (galinha do mato); nikuruthu borboleta).
No passado, o recato que se exigia da mulher não permitia a exposição do corpo, ficando fora apenas a cara, as mãos e os pés. Actualmente, esse rigor no vestir ficou sobretudo preservado entre as halifas (mulheres dos xexes). Com a independência nacional e as transformações sociais, económicas e culturais que se seguiram, uma crise se instalou na região, afectando todo o sistema de trocas. A actividade comercial enfraqueceu e deu-se uma grande escassez de vestuário (capulanas incluídas), tecidos e outros acessórios que a população estava habituada a utilizar. Este facto trouxe como consequência um esquecimento na produção deste tipo de traje (kimau) por parte dos alfaiates, os principais costureiros da Ilha.
A indumentária possui um valor importante na comunidade, pois é um elemento distintivo dos residentes da Ilha. O rigor na combinação de cores, principalmente garridas, o contraste entre tons rubros e luminosos, como é o caso do amarelo, predominam nos tecidos usados na confecção de vestuário feminino da Ilha de Moçambique, aspecto peculiar do litoral norte de Moçambique.
A nível nacional, o trajar feminino da região da Ilha de Moçambique e, globalmente, do litoral Norte, tem atraído as atenções de estilistas nacionais, com reputação internacional constituindo, dessa maneira, um contributo importante de Moçambique para o mundo da moda internacional. Exemplo disso, é a participação de jovens estilistas em eventos internacionais, os eventos de promoção da moda moçambicana, O Moçambique Fashion Week (iniciativa levada a cabo por algumas empresas nacionais na promoção da moda moçambicana com a participação de jovens estilistas nacionais e estrangeiros) e a iniciativa de Maria da Luz Guebuza, esposa do antigo Presidente da República (Armando Guebuza), no resgate, construção e disseminação da moda tipicamente moçambicana, através do uso da capulana e do kimau. A maior parte dos turistas e visitantes nacionais e estrangeiros quando chegam à ilha procuram adquirir um kimau, que é encarado como uma lembrança típica da Ilha de Moçambique.
A palavra tufu parece derivar do termo árabe ad-duff, do qual foram formadas as palavras portuguesas adufe ou adufo, sinónimo de pandeiro, um instrumento musical membrana única, de formato quadrado e munido de guizos, semelhante ao que é utilizado pelos macua nahara nesta mesma dança, os batuques bazuca, ngajiza, apústua, e duassi. Acredita-se que esse termo seja a versão macua de ad-duff. Esta expressão cultural apresenta duas variantes, uma masculina e outra feminina, sendo esta última mais amplamente praticada em Omuhipiti (Ilha de Moçambique).
A execução por mulheres ocorre nas mais diversas ocasiões (casamentos, encerramento dos ritos, nascimentos, entre outras celebrações de carácter religioso ou não religioso).
Nessa variante, os homens apenas participam como instrumentistas, tocadores de kotxo-kotxo (chocalhos de mão) e de batuques, localmente designados de anatamboro, onde ‘ana’, na língua macua, é o prefixo indicativo de pessoa que faz algo, e tamboro, um empréstimo da palavra portuguesa ‘tambor’.
As executantes são dirigidas por uma mestra, que pode ser uma halifa (esposa de um sheik, figuras da hierarquia religiosa muçulmana), também designada rainha, ou raíce.
Ao se exibirem, as dançarinas (anamuina) apresentam-se em uniforme bastante rebuscado, com duas capulanas sobrepostas, amarradas à cintura, sendo uma comprida até aos pés e a outra, amarrada por cima, do busto até à altura dos joelhos. Mais recentemente esta segunda capulana pode também ser substituída por uma blusa confeccionada em tecido condizente com as cores e o padrão da outra capulana.
Para além desta peça de roupa que é comum paras mulheres em Moçambique de um modo geral, e para as macua em particular, as dançarinas amarram à cabeça um lenço da mesma cor e padrão que as capulanas e usam uma blusa de cor diferente a condizer.
As cores escolhidas para o traje são geralmente quentes e garridas (amarelo, laranja ou vermelho), usadas muito especialmente em ocasiões solenes.
No rosto, as anamwina apresentam-se maquilhadas, com a cara coberta de m’siro, os olhos pintados a lápis e os lábios, de batom. Para completar a indumentária elas adornam-se de colares, brincos e pulseiras feitas de missangas, prata ou mesmo de ouro.
A exibição da dança começa geralmente com o entoar de um canto por uma ou mais vozes femininas que logo são secundadas pelo coro das dançarinas. Depois, ouve-se o kotxo-kotxo, imediatamente seguido pelo som dos batuques que se juntam ao ritmo da dança. Assim, enquanto as mulheres cantam, elas executam movimentos lentos e sincronizados os braços e os ombros. Movimentos igualmente pausados, elas realizam com as pernas, o tronco e a cintura, acompanhando o estilo, também lento das canções.
Um aspecto importante a destacar nestes dois momentos é a interdição que outrora era feita aos homens de assistirem às exibições femininas, do mesmo modo que era interditada a presença de mulheres nas exibições masculinas, no período em que o tufu era apenas executado por homens. O principal motivo desta restrição era o facto de se considerar imoral que um homem assistisse à actuação de uma mulher que não fosse a sua esposa. Com efeito, em muitas comunidades do litoral Norte do país e de forte influência muçulmana, os indivíduos são, desde muito jovens (cerca de doze anos de idade) submetidos a duas instituições preponderantes: (a) os ritos de iniciação (masculina ou feminina), durante os quais são transmitidos valores culturais que orientarão suas vidam como adultos; (b) as madraças onde uma educação religiosa mais formal visa o ensino do Alcorão (leitura e escrita na língua e grafia árabes) e a transmissão de princípios e doutrinas muçulmanas, com forte impacto na vida dos indivíduos e famílias.
Nos dois primeiros momentos da história do tufu, o mesmo era ensinado nas madraças e, com recurso aos cânticos, eram transmitidas doutrinas a homens e mulheres. A letra dos cânticos era basicamente extraída do Alcorão. Todavia, com o tempo, a letra passou, gradualmente, a incorporar valores étnicos próprios da comunidade nahara à qual pertenciam os estudantes. Desse modo, os conteúdos dos cânticos, saíram da esfera meramente religiosa, para a esfera do quotidiano e do social.
O terceiro momento deste processo refere-se a um período relativamente mais recente, os últimos 40 ou 50 anos. As restrições à presença de homens na dança foram sendo abandonadas e estes não só passaram a integrar os grupos de tufu como anatambore (tamborileiros ou batuqueiros) como, também, passaram a fazer parte da assistência. As mulheres foram progressivamente deixando-se ver e os homens passaram a assistir, quer fossem seus maridos, quer não.
Várias outras mudanças tiveram lugar neste momento, com a aprendizagem do tufu fora do espaço das madraças e a intervenção dos clubes na promoção da dança e de acções de entreajuda aos seus membros, para além do papel que ela passa a desempenhar na educação comunitária a vários níveis quer seja político, social, económico e religioso. Os temas tratados no canto são escolhidos do quotidiano das comunidades. Através deste canto se desenvolve numa espécie de diálogo entre a solista ou solistas e o coro, que atraem as atenções do público para o conteúdo da mensagem transmitida, importante para a relação que se estabelece entre este e os executantes.
A solista pode improvisar comentários (cantados) dirigidos ao público presente.
O m’siro é um produto natural extraído da planta do mesmo nome. Para seu manuseamento o m’siro é cortado em pequenos pedaços de cerca de 25 a 35 centímetros.
Os macuas nahara distinguem dois tipos de m’siro, sendo o mais vulgar de cor branca e que é usado em todas as ocasiões, em público e sempre que se queira ao longo da vida. O outro, tem um tom acastanhado e perfumado, sendo utilizado nos ritos osinkiya, nos rituais fúnebres e em momentos íntimos dos casais.
Tanto um como outro m’siro, quando untado na pele tem efeitos terapêuticos e estéticos.
A preparação do m’siro consiste em friccionar os pedaços da planta numa pedra natural extraída da montanha e própria para essa finalidade, denominada nluku no kuthela m´siro, adicionando-se água em pequenas quantidades de modo a produzir uma fina pasta, de tom creme, que é posteriormente aplicada sobre a pele do rosto, pescoço ou em todo o corpo.
Esta pasta actua como uma máscara que, ao secar, absorve as impurezas da pele, deixando-a limpa e macia.
De notar que em ambos os tipos de pasta se pode adicionar coco ralado, o que é facultativo para o m’siro branco e indispensável para o castanho. Por seu turno, a preparação de owantxa faz-se com o auxílio da fuligem de candeeiro a petróleo e óleo.
Para produzir a fuligem, acende-se o candeeiro e aproxima-se uma chapa metálica ou panela, deixando que o fumo vá cobrindo gradualmente a sua superfície. De seguida, adicionam-se gotas de óleo à fuligem e mistura-se, obtendo assim o owantxa, uma espécie de tinta gordurosa, que se pode aplicar sobre o contorno dos olhos e nas sobrancelhas, realçando a beleza e expressão feminina.
O owantxa foi, no passado colonial, bastante usado pelas camadas pobres da ilha, por não possuírem recursos para a aquisição de lápis de sombra.
O objeto físico wahala (Uaala) é um volume encadernado de folhas de papel almaço (formato A4), com cerca de 150 páginas.
Wahala significa “o que ficou por contar”, o legado dos antepassados. É o livro de memória das irmandades, das comunidades e das famílias, contendo a história de vida de famílias muçulmanas, seu legado histórico, sua genealogia. É uma narrativa sobre o curso de vida das famílias pertencentes a uma irmandade, onde os acontecimentos mais importantes dessas famílias são registados. É também um recurso geralmente usado para a interpretação do comportamento social, em particular em situações de conflito.
O wahala é geralmente aberto aquando da morte do guardião deste, quando se prevê a sua morte ou quando se considera necessário dar a conhecer alguns aspectos da história da família às novas gerações.
O wahala é apenas do conhecimento do líder da irmandade ou da família. Entre os macua matrilineares, o wahala passa do detentor para o seu neto gerado pela filha; entre os patrilineares, de pai para filho, normalmente, filho mais velho. Também se transmite de esposo para esposa, geralmente a halifa.
A sucessão não inclui ritos específicos. O herdeiro é escolhido por possuir dons especiais para a resolução de conflitos. Essa capacidade tem por base o conhecimento dos textos registados no wahala, o exercício de uma jurisprudência consuetudinária e o recurso aos contos tradicionais e provérbios para exemplificar.
O wahala nunca é tornado público. Seu conteúdo é secreto, sendo apenas acessível aos líderes tradicionais e seus sucessores.
Dos muitos ritos que ainda estão em uso na Ilha de Moçambique (iniciação feminina – Emualie; iniciação masculina – Ekhalaua), aborda-se aqui, somente, o osinkyia que é um rito de passagem que prepara a mulher para o casamento.
O mesmo consiste na administração de aconselhamentos por via da teatralização de momentos íntimos, próprios da vida de um casal, na transmissão de modelos de comportamento no tratamento do marido, da família (parentes da mulher e do marido) e nos cuidados a ter para com o lar.
Um aspecto que não é particular às mulheres macua é o facto de elas casarem-se geralmente mais cedo do que os homens. O que determina a aptidão das raparigas ao casamento é o osinkiya ao qual somente se submetem as raparigas que passaram pelo emualie.
Estes ritos realizam-se logo que se verifique a primeira menstruação que, regra geral, acontece à idade dos 12 a 14 anos. O fenómeno biológico da menstruação é encarado pela família da rapariga com muita alegria por ser entendido como prova de fertilidade na mulher.
Actualmente a idade do casamento da rapariga da Ilha varia entre os 17 e 18 anos. Esta idade não se alterou. Um estudo efectuado há pouco mais de três décadas pela OMM, Organização da Mulher Moçambicana, referia que a idade do casamento na rapariga no litoral de Nampula e na Ilha de Moçambique era de 17 anos, contrariamente ao que se passa no interio, com frequentes casamentos prematuros.
Recorde-se que os macua são uma sociedade matrilinear, os filhos pertencem ao nihimo (linhagem) da mulher e a sucessão se faz por via uterina.
O othuna é uma prática secular, bastante difundida entre as comunidades macua da Ilha e do continente. Faz parte de um conjunto de práticas que visam a preparação da criança do sexo feminino para a função sexual, a qual está fortemente associada à preocupação de dar maior satisfação ao homem, seu futuro esposo. Pode-se afirmar que esta prática constitui o iniciar de um processo de educação da rapariga para o casamento, que culmina com o osinkiya (ritual de nubilidade).
Através do othuna as meninas, ainda muito novas (entre 8 e 12 anos), passam a conhecer o seu próprio corpo e aprendem acuidar dele. O alongamento dos lábios vaginais é realizado sob orientação de mulheres adultas, geralmente as próprias mães, as quais estão atentas ao crescimento das filhas de maneira a que, logo cedo, sejam ensinadas a como proceder.
A Ilha de Moçambique é um local onde existiu uma grande miscigenação de povos, observando-se traços da presença do oriente, das sociedades swahili e da religião muçulmana, bem como da presença dos portugueses, sendo estes traços enraizados e tornando-se parte da herança sócio-cultural da população. Esta mistura acaba por se reflectir nos "espíritos que rondam a volta desta Ilha", designados por majini. Esta talvez seja a provável razão de encontrarmos nesta região majini subdivididos em 4 grupos: macua, muçulmanos, indianos (abaniani) e portugueses (ekunha).
A população residente no litoral, associa a sua vulnerabilidade a doenças com a encarnação dos espíritos (majini) e neste contexto aparecem homens ou mulheres com conhecimentos relativos à sua cura, denominados emacuapor funti, que são coadjuvados nas suas actividades pelos auxiliares denominadas por tchumbe. O funti desempenha um papel primordial na vida destas comunidades, uma vez que tem ligação aos espíritos, conseguindo identificar e curar os indivíduos que se encontram possuídos pelos majini, resgatando a tranquilidade para a sua alma.
Maulide, palavra derivada do árabe Mawlid, significa “aniversário do profeta”. É uma manifestação de louvor, agradecimento e reconhecimento a Deus (Alá), razão pela qual a sua prática se inicia com uma oração, denominada de Duha. Na Ilha de Moçambique esse ritual adquiriu um sentido mais genérico e significa “celebração” de modo geral (nascimentos, casamentos e festas populares). Na Ilha existe apenas um grupo, composto por indivíduos iniciados com idade dos 10 anos em diante. Importa salientar que esta prática restringe-se aos homens, o que para os praticantes se justifica pelo facto da mulher passar o ciclo menstrual, o que constitui um tabu nesta comunidade. Além desta restrição, os praticantes não devem manter relações sexuais um dia antes da execução do rito, nem consumir bebidas alcoólicas, segundo os mandamentos do Corão.